Será que ainda dá tempo de repararmos essa desassistência?

Autora: Daniela Bordini

Embora a dificuldade de acesso a tratamento de qualidade para as pessoas com autismo continue sendo um grande desafio para a maioria das famílias, os adultos com TEA de hoje com certeza não tiveram as mesmas oportunidades de tratamento do que as crianças com TEA possuem atualmente.

Há 30 anos muito pouco de falava em autismo, em ABA, muito menos em maneiras alternativas de se comunicar…

Toda uma geração de pessoas com autismo não verbal foi privada de ter uma voz, de mostrar para o mundo o que sente, o que pensa, o que quer e do que é capaz.

Será que ainda dá tempo de repararmos essa desassistência?

Será que esses adultos conseguem aprender coisas novas e maneiras alternativas de se expressarem?

Acreditamos que sim, nunca é tarde para tentarmos, para investirmos nas pessoas e lhes oferecer oportunidades de melhor desenvolvimento e autonomia.

Acho que a tentativa de implementação de sistemas robustos de comunicação alternativa e aumentativa nessa faixa etária não deveria representar apenas experiências isoladas e sim uma obrigação dos profissionais da área do autismo que atuam com essa faixa etária hoje em dia. Isso pelo poder transformador e libertador que pode ter na vida desses indivíduos e suas famílias.

Recentemente fiz indicação para um jovem não verbal aos 25 anos anos que teve uma evolução surpreendente e que hoje pôde ampliar e consegue ir muito além na sua forma de se expressar, segue relato do seu irmão mais velho sobre a experiência:

“ A comunicação alternativa tem sido uma grande descoberta para o meu irmão, Daniel, para mim, para minha mãe e para a sua cuidadora, Maria. Embora a implementação do PODD tenha começado já em idade avançada, aos 29 anos, rapidamente o Dani se mostrou muito interessado pelas suas possibilidades comunicativas. Bastava alguém mostrar o iPad que seus olhos já se fixavam automaticamente na tela, à espera da mensagem a ser comunicada.

Para além de viabilizar uma escuta que me parece mais qualificada, o Dani também tem conseguido se expressar cada vez mais por meio do PODD. Embora ele seja verbal, ele não gosta de falar e nem sempre sabe como iniciar uma conversa ou interferir em algum assunto de seu interesse.

Ano passado, tentei levá-lo para viajar de avião pela primeira vez. Ele ficou com muito medo e não conseguiu embarcar. Logo após, eu, Maria e minha mãe tentamos lhe explicar, com auxílio do PODD, que iríamos tentar novamente embarcar no avião, em um voo que seria dali 2 horas. Nessa interação, sempre que alguém apertava o botão “avião” no PODD, ele apertava em seguida o botão “ônibus”, que é o meio de transporte que costumamos usar para fazer viagens. Ele estava nos contando qual era a sua predileção e sugestão para fazermos a viagem!

Eventos como esse estão começando a proliferar em nossas vidas. O PODD tem nos permitido saber as opiniões, os gostos e até mesmo as sugestões do Dani, o que para nós era um território de difícil acesso. Pelo PODD, sinto que estou conhecendo melhor meu irmão e abrindo um canal de comunicação para que ele me conheça mais também”.

Pedro Beresin

 

 

 

Daniela Bordini – psiquiatra da infância, Adolescência e vida adulta.

Coordenadora do ambulatório de Cognição Social Prof. Dr. Marcos T. Mercadante – TEAMM – UNIFESP.

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