INTERVENÇÃO PRECOCE COM COMUNICAÇÃO ALTERNATIVA NO TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO

Fga. Dra. Ana Montenegro (UFPE)

Durante os primeiros anos de vida, a comunicação é fundamental para o desenvolvimento saudável da criança. Quando as crianças pequenas temporariamente ou permanentemente apresentam dificuldades para aprender a se comunicar por meio da fala, elas enfrentam muitos desafios porque não conseguem referir ainda necessidades básicas, desejos, conhecimentos e emoções para suas famílias, colegas, professores e a comunidade em geral (ROMSKI et al, 2015).

Há diversos estudos sobre  intervenção precoce para desenvolver a comunicação em crianças com necessidades complexas de comunicação, entre elas, crianças com TEA. Fuller e Kaiser (2019) realizaram um estudo amplo, de metanálise, sobre pesquisas de intervenção precoce em autismo que tinha como objetivo desenvolver a comunicação social. Os achados revelaram a importância da intervenção precoce para o desenvolvimento da comunicação social. Além disso, demonstram que a média de idade dos resultados mais significativos foi para crianças com oito meses a três anos.

O uso da Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA*) com crianças com Transtorno do Espectro do Autismo vem crescendo na prática clínica no Brasil, mas, segundo Nunes e Walter (2020), ainda temos poucas publicações científicas. E a intervenção precoce com uso de CSA é um desafio. De acordo com Cress e Marvin (2003) algumas questões permeiam os pensamentos de pais e profissionais e devem ser esclarecidas sobre intervenção precoce com uso de CSA. A seguir, algumas afirmativas importantes para a implementação precoce de CSA:

– Não há pré-requisitos para uso de CSA. Quando os primeiros comportamentos de comunicação da criança são difíceis de interpretar, começa a necessidade da criança de intervenção em CSA;

 – Diversos estudos confirmam que a CSA promove a aquisição da fala. O uso de CSA auxilia o desenvolvimento da linguagem oral;

– Ao invés de esperar que uma criança demonstre primeiro a compreensão de novos conceitos para inserir seus pictogramas no sistema de CSA, os símbolos referentes a esses conceitos devem ser incluídos no sistema de CSA da criança durante a intervenção e utilizados no contexto do dia a dia;

 – Além disso, ao introduzir novos pictogramas é importante permitir que a criança brinque com o vocabulário e explore novas combinações de significados no aprendizado por tentativa e erro. A demonstração de adultos pode ser mais útil do que fazer perguntas alvo ou corrigir a interpretação da criança diretamente;

– As crianças que dependem da CSA para se comunicar, precisam experimentar os mesmos tipos de feedback do parceiro de comunicação e alternativas que as crianças em desenvolvimento típico fazem para uma comunicação igualmente inadequada;

– Seja um sistema de alta tecnologia com saída de voz ou um sistema de símbolos de baixa tecnologia, o desempenho da criança será mais bem-sucedido se a criança já souber usar ferramentas básicas de comunicação, como expressões faciais ou vocalizações ou gestos que são ativados voluntariamente e adequadamente para fins de comunicação;

– Crianças que usam CSA podem e devem iniciar conversas. Entretanto, se os parceiros de comunicação não percebem a natureza intencional do comportamento da criança, é mais provável que continuem a assumir a responsabilidade de iniciar e manter conversas para essa criança. Crianças com sinais sutis ou variáveis de comunicação podem não ser consistentemente percebidas como comunicativas e, portanto, podem manter papéis de comunicação passiva por mais tempo do que comunicadores mais convencionais.

Romski et al (2015)  apresentam diversos estudos de revisão de literatura e metanálise sobre o uso da CSA em intervenção precoce em crianças com necessidades complexas de comunicação, independente da etiologia,  e concluíram que a intervenção precoce com CSA  propicia desenvolvimento de funções comunicativas, aumento de vocabulário e desenvolvimento da linguagem compreensiva. 

            Um outro estudo de intervenção precoce com uso de CSA, que ocorreu na Pensilvânia em crianças com necessidades complexas de comunicação, entre dois e cinco anos,  teve como objetivo investigar o uso da modelagem com CSA e constatou que quatro das cinco crianças da amostra apresentaram melhoras no desenvolvimento morfossintático e semântico e com generalização do uso de CSA em outros contextos sociais. Os educadores dessas crianças também perceberam desenvolvimento nas habilidades de linguagem expressiva, com melhor eficácia comunicativa. Uma fonoaudióloga afirmou que a intervenção a fez perceber que as crianças tinham melhores habilidades de linguagem receptiva do que acreditava anteriormente (BINGER, LIGHT, 2007).

Aqui no Brasil, no estado de Pernambuco, temos realizado uma pesquisa multicêntrica com o projeto Autismo Comunica, na Universidade Federal de Pernambuco. O projeto se propõe a promover a comunicação funcional de crianças com TEA, pré-escolares, pertencentes a comunidades carentes, sendo aplicado o método DHACA (MONTENEGRO, LIMA E ARRAIS, 2020) que tem como principal ferramenta o uso de um livro de comunicação alternativa de baixa tecnologia. Ele é caracterizado como um sistema robusto de comunicação, por permitir o uso de diversas funções pragmáticas, isto é, a criança pode pedir, comentar, perguntar, narrar, protestar, cumprimentar, pois, há possibilidade de criar estruturas morfossintática variadas, com pictogramas de palavras baseada no conceito do core words ( BANAJEE et al, 2003), em que são selecionadas palavras que são mais utilizadas no dia a dia.

O método tem como princípio teórico a proposta sociopragmática de Tomasello (2003), sendo assim, a participação do interlocutor junto a criança deve ser ativa no uso do mesmo sistema linguístico, isto é, o parceiro de comunicação da criança deve utilizar frequentemente o livro de comunicação alternativa para conversar com a criança, para que ela veja no outro, um agente intencional, para que ela possa imitar, deduzir e construir sua linguagem a partir da interação com o outro, que estará utilizando uma linguagem com os mesmos significantes. Esta é uma estratégia utilizada por muitos profissionais conhecida por modelagem, isto é, à medida que o interlocutor fala, ele também aponta para a frase ou para pictogramas de palavras-chaves no livro de comunicação comunicativa correspondente ao que ele deseja falar com a criança. Ele também pode demonstrar, do mesmo modo, como a criança deve formar a estrutura sintática no livro de comunicação que ela deseja expressar.

Nosso projeto tem seis anos de criação, temos publicação de capítulos, alguns artigos e estamos desenvolvendo teses, dissertações, projetos de iniciação cientifica e de conclusão de curso. Destacaremos aqui a publicação recente de um estudo de caso (MONTENEGRO et al, 2021) em que utilizamos a metodologia DHACA, só que com o livro adaptado em um sistema de alta tecnologia, denominado aBoard (FRANCO et al, 2017)[1] A criança tinha dois anos e três meses,  com diagnóstico recente de TEA. As atividades eram sempre lúdicas e selecionadas de acordo com o interesse da criança, com conhecimento prévio do terapeuta. Foram realizadas 24 sessões semanais, sendo utilizadas, quando necessário, estratégia de dica física, visual, verbal e a modelagem para auxiliar na aquisição e desenvolvimento das habilidades comunicativas descrita no método. A criança apresentou desenvolvimento nos aspectos semânticos e morfossintáticos e nas funções comunicativas, pois, além da função instrumental (pedidos), ela iniciou a fazer perguntas, comentários, compartilhar objetos, solicitar ajuda, bem como utilizar as expressões sociais (oi, obrigada) com o uso do dispositivo simultaneamente com a  fala e, também na fala espontânea. Vale destacar a participação efetiva da família, que desafiou seus paradigmas antigos, acreditou no processo de intervenção com uso de CSA e utilizava com frequência o tablet para se comunicar com a criança e para que ela se comunicasse com eles.

Para finalizar, é importante destacar que as melhores técnicas poderão existir, mas um dos pontos fundamentais é que o uso de CSA deve ser realizado e estimulado frequentemente, por todos, para que possa ser generalizado em todos os contextos sociais e torne a criança independente para se comunicar de modo funcional.

BANAJEE, M., DICARLO, C., STRICKLIN, S.B. Core Vocabulary Determination for Toddlers. Augmentative and Alternative Communication, June 2003 VOL. 19 (2), pp. 67–73

BINGER C, LIGHT J. The effect of aided AAC modeling on the expression of multi-symbol messages by preschoolers who use AAC. Augment Altern Commun. 2007 Mar;23(1):30-43. Erratum in: Augment Altern Commun. 2007 Jun;23(2):188-9.

CRESS, C. J., MARVIN, C. A., “Common Questions about AAC Services in Early Intervention” (2003). Special Education and Communication Disorders Faculty Publications. 88


[1] Atualmente existe a plataforma  REAACT, uma versão mais robusta do plataforma aBoard, coordenado pelo professor Robson Fidalgo(UFPE) que foi um dos responsáveis pela criação do aBoard.

Facebook
Twitter
Pinterest
Telegram
WhatsApp
Email

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *