CAA na minha vida

Por Alice Casimiro

A CAA entrou de vez na minha vida através de uma residente de psiquiatria que me atendeu no hospital universitário de 2018 a 2020. Era a segunda vez que estávamos buscando atendimento psiquiátrico para mim, mas a diferença era que, em vez de se contentar em ter minha mãe falando por mim nas consultas, essa profissional entendeu que apenas eu sou capaz de sentir minha própria dor, portanto apenas eu poderia falar por mim. Eu já tinha 20 anos, mas ainda não sabia comunicar muitas coisas, inclusive relatar o que acontecia ao meu redor e expressar como me sentia.

Depois de algumas consultas frustradas por não conseguir receber relatos meus para saber como me ajudar, a médica e a equipe que trabalhava com ela me atendendo solicitaram que eu anotasse algumas coisas e levasse nas consultas para elas lerem. No começo, eu tinha que anotar todos os horários em que eu acordava durante a noite, mas depois, pediram para eu anotar acontecimentos da minha vida.

Foi bem difícil no início, e eu escrevia uma quantidade bem mínima de coisas e me referia a mim na terceira pessoa. Meses depois, escrever em um caderninho se tornou a forma de conversar entre mim e a médica. Não era tão dinâmico e satisfatório porque eu só poderia contar a ela algo que pensasse na consulta semanas depois, quando levasse o caderninho novamente, mas era o que tinha, e o que tinha já era muito melhor do que o nada de antes. Nem eu nem a médica sabíamos que aquela forma de comunicação era parte da CAA, mas, mesmo assim, ser introduzida a ela salvou a minha vida.

No ano seguinte, eu já estava gostando bastante de ter na escrita uma ferramenta poderosa que fazia quem lia saber o que eu estava pensando e me dar um retorno, então decidi escrever na internet para meus pais lerem. Graças a isso, passei a ter menos crises de choro e autoagressão, que eram especialmente comuns desde a pré-adolescência. A melhor parte foi que meus pais leram e puderam entender coisas que nunca souberam sobre mim desde minha infância.

Ao site que criei como local para guardar meus pensamentos de forma verbal eu dei o nome de “A Menina Neurodiversa”. Minha mãe divulgou em suas redes sociais, e outros familiares e algumas amigas dela tiveram acesso também. O site acabou alcançando mais pessoas. Por isso, meses depois de criá-lo, criei uma página de mesmo nome no Facebook para divulgar os links dos textos lá da página. No ano seguinte, criei a página no Instagram, que hoje se chama Alice Neurodiversa e se expandiu para algo bem maior do que qualquer coisa que eu poderia prever.

Através da página, eu fiz amigos, conheci pessoas parecidas comigo e pude ajudar muitas pessoas, desde autistas a famílias e profissionais que convivem com autistas. Eu gosto bastante de falar sobre CAA nela porque foi o que destravou meu mundo, mas ainda vejo muita resistência por parte das famílias.

Escrever na página é uma forma que tenho de usar a CAA, agora não mais apenas em papel, pois eu consigo expor ideias que tenho a respeito de muitas coisas que acontece e que sempre vi enquanto observadora silenciosa para muitas pessoas. Descobri que existem pessoas com ideias parecidas, o que me fez me sentir menos sozinha no mundo, e ganhei uma forma de interagir com elas.

Pessoalmente, ainda falo pouco, tenho uma fala embolada e não uso a fala de forma 100% funcional, então a CAA é minha grande amiga, mais especificamente a comunicação aumentativa, que complementa o que consigo expressar pela fala. Se não fosse ela, eu continuaria me sentindo rasa e eternamente infantil perante a sociedade.

Minha comunicação se alterna entre algumas coisas faladas, a escrita, uso de aplicativo com pictogramas e, é claro, a linguagem não verbal. A minha comunicação não verbal, pelo que descobri me vendo em vídeos e fotos, é bem diferente da das pessoas típicas, por isso pode ser interpretada errado, como que não quero companhia, que estou brava ou até que sou “doida”, mas surpreendentemente apareceram pessoas na minha vida que têm a mente aberta e são respeitosas com minha forma de existir. Isso simplesmente não tem preço e me faz feliz.

Este texto foi escrito por Alice Casimiro, do instagram @alice_neurodiversa

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