CAA e Baixa Visão

Na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), a deficiência visual inclui baixa visão (ou visão subnormal) e cegueira, e a classificação destas leva em consideração a acuidade visual e o campo visual. Dentro deste universo, a comunicação aumentativa alternativa (CAA) já é amplamente difundida e adaptada às necessidades sensoriais das pessoas cegas, como o uso do Braille para leitura, o uso de símbolos manuais e táteis para pessoas surdo-cegas ou sistemas de CAA por escaneamento auditivo para pessoas cegas não oralizadas, entre outros.

Legenda: Braille.

Legenda: Símbolos táteis (Project Core).

Legenda: Símbolos manuais.

Legenda: Sistema de CAA por escaneamento auditivo (PODD auditivo).

Porém existe um universo (amplo!) de pessoas com exame oftalmológico normal, que ainda assim apresentam dificuldade em habilidades centrais que envolvem o processamento da informação visual: a Deficiência Visual Cerebral/Cortical (DVC), pode ser definida como alteração nas funções visuais sem justificativa ocular clinicamente evidente e com lesões ocorrendo após quiasma ótico.

Ainda pouco explorado dentro da CAA, algumas dessas alterações podem gerar grande impacto no sucesso da implementação de CAA e ser determinante no abandono desta ferramenta tão importante para comunicação de pessoas não oralizadas. Além disso, quando as adaptações no sistema de CAA são personalizadas às necessidades sensoriais do usuário pode, além de favorecer o uso da CAA, também estimular a evolução das habilidades visuais trabalhadas pelo profissional da reabilitação visual. Sendo assim, o trabalho em conjunto do fonoaudiólogo e terapeuta visual é crucial nos casos de DVC.

E como podemos suspeitar de DVC na nossa criança que usa CAA? Alguns sinais como: dificuldade na atenção visual aos símbolos, melhor desempenho com imagens maiores e menos figuras por página, melhor desempenho com pictogramas do que com fotos, dificuldade em acertar o alvo da imagem no apontar, presença de movimentação ocular e/ou de cabeça, entre outros, podem ser sinais de alerta. Além disso, alguns diagnósticos e síndromes já apresentam descritos com importante evidência na literatura científica as alterações nas habilidades do processamento visual.

No transtorno do espectro autista (TEA), por exemplo, já se sabe das diferenças na percepção, processamento e integração das informações visuais quando comparado ao desenvolvimento típico destas habilidades. Características comuns são hipo ou hipersensibilidade visual para luzes, cores e padrões complexos, que pode acarretar dificuldade em filtrar estímulos irrelevantes. No geral, o processamento visual para detalhes é muito melhor do que a percepção global, o que pode afetar a percepção e interpretação de estímulos complexos como rostos, expressões faciais e cenas sociais. Aqui podemos incluir também a CAA devido à complexidade dos pictogramas e o aglomerado das imagens. Porém nenhum diagnóstico por si só é determinante, sendo necessária avaliação individual das habilidades e dificuldades de cada indivíduo.

No Brasil, as diferentes linhas teóricas que embasam a reabilitação visual, tornam a atuação dos profissionais da área bastante distintas. Lopes et al (2020) fizeram um levantamento dos diferentes protocolos de avaliação das funções visuais disponíveis e constataram falta de evidência científica e objetividade nos protocolos, bem como a dificuldade de replicabilidade destes devido à não objetividade também na descrição dos estímulos utilizados para as avaliações. Eles então desenvolveram um protocolo de avaliação das funções visuais em crianças baseado em evidência cientifica, objetivo e totalmente replicável. As habilidades visuais avaliadas neste protocolo são: fixação visual, contato visual com a face, nistagmo optocinético, movimentos sacádicos, reflexo vestíbulo-ocular, vergência, movimento visual horizontal, movimento visual vertical, sorriso como resposta ao contato visual, aumento da movimentação global ao visualizar estímulo, tentativa de alcançar estímulo visualizado, campo visual funcional de confrontação. Este estudo é um excelente norteador sobre quais habilidades visuais a sua criança deve apresentar e o que possivelmente poderia ser um limitador no uso da CAA.

Algumas possíveis adaptações na CAA podem girar em torno da complexidade dos pictogramas que serão utilizados:  detalhamento da imagem, espessura de traço, contraste de cores, presença de texto no botão e tamanho do texto. Eu e Alessandra Buosi desenvolvemos uma biblioteca de imagens com essas especificidades e já utilizamos em sistemas de CAA para usuários que necessitam de adaptação visual e também na adaptação de livros clássicos infantis.

Legenda: imagens com adaptação visual utilizadas para CAA.

É possível refletir ainda sobre a quantidade de imagens por página (tamanho da grade) e estratégias para facilitar o escaneamento das imagens e a fixação visual na imagem-alvo, como o uso de closura, bordas ou luzes, bem como manter fixa a localização das imagens, facilitando assim o planejamento e a coordenação mão-olho.

Legenda: exemplo de sinalizador visual na imagem-alvo.

A própria luminosidade da tela ou da plastificação do papel podem ser facilitadores ou limitadores nas habilidades visuais a depender das necessidades de cada indivíduo.

Estas e outras estratégias podem ser realizadas pensando na adaptação das necessidades sensoriais de cada pessoa com necessidade complexa de comunicação. Por isso, se faz muito importante, além da investigação de linguagem, a investigação visual completa tanto (das condições oftalmológicas, quanto das funções visuais e habilidades funcionais da visão) para garantir que todas as condições de acesso foram consideradas.

LOPES, Márcia Caires Bestilleiro et al. Desenvolvimento do protocolo da avaliação da visão funcional infantil (AVFI) para crianças com deficiência visual. Revista Psicologia e Saúde em Debate, v. 6, n. 1, p. 91-110, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.22289/2446-922X.V6N1A7

Sobre mim:

Sou Luciana Leal, fonoaudióloga graduada e especialista em fala e linguagem infantil pela Universidade Federal de São Paulo, atuando com CAA há quase 10 anos na Clínica Clarear. Mais informações sobre meu trabalho, no site: www.lucianaleal.com

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